A cena é patética, como outras tantas já protagonizadas pelo mesmo personagem. No centro, o candidato Marcelo Crivella; ao lado, o frei David Raimundo dos Santos, autoproclamado líder do que ele chama de “comunidade negra”, vestido no seu tradicional hábito franciscano; atrás de Crivela um negro segurando um rebatedor de luz para a iluminação, garantia de uma boa imagem para a TV.
Crivella diz ter vivido 10 anos na África, que aprendeu a amar o seu povo e os seus valores, e acrescenta que o Rio de Janeiro vai aprender muito quando “nossos irmãos afrodescendentes tiverem a oportunidade de mostrar seu valor”.
Trata-se de uma cena para o programa de TV que termina com o Hino da África no idioma zulu, no monumento a Zumbi dos Palmares, próximo a Praça Onze, centro do Rio. Ouve-se ao fundo “opa” em tom de entusiasmo; o voluntarioso frei termina com o punho esquerdo erguido em saudação entusiasmada. Não se alcança o que saúda, nem o significado do punho erguido. A cena e as imagens falam por si.
Trata-se de mais uma das muitas que se assiste sob qualquer governo, de negros “não apenas a serviço do capital”, que o poeta Solano Trindade dizia “não serem nossos irmãos”, mas prestando vassalagem a candidatos e sendo usados como moeda de troca eleitoral.
Que esse controverso personagem que, não por acaso, nessas ocasiões veste o hábito, como que para emprestar a autoridade da Igreja Católica, se preste a tais espetáculos na ânsia incontida de holofotes, não é de estranhar. Estamos acostumados a assistí-los - quase sempre exibições constrangedoras de oportunismo, de falta de noção e de senso.
Confira:
Que o silêncio e a mudez de seus pares do movimento negro chapa branca, de plantão permanente nos partidos e na academia prevaleça, é compreensível pelo espírito corporativo e de confraria desses grupos, militantes de um movimento negro que, quase sempre, silencia para agradar poderosos e bate tambor na hora, no lugar e em benefício das más companhias com quem costuma andar de braço dado.
Mas, que personagens desse quilate, pretendam falar pelos mais de 100 milhões de negros brasileiros – e mais pelos outros milhões de antirracistas, nossos aliados na luta para erradicar essa patologia que é o racismo – aí não. Alto lá!
Essas cenas protagonizadas por distintos personagens, já assistimos outras vezes ao longo da história; sabemos a que se prestam e para que e a quem servem. Até mesmo Cristo faz a eles referência em dos seus sermões.
Antes e depois do período da escravidão e até os dias de hoje, negros fazem esse papel. Não repetiremos que nome se dá a isso, em respeito aos ouvidos mais sensíveis. Contudo, todos sabemos históricamente o que são e o que representam.
Nada temos a ver com o apoio entusiástico desse frei a Crivella, a vertente política da Igreja Universal, sobrinho do bispo Edir Macedo, um homem de valores conservadores declarados, autor do livro “Evangelizando a África”, de 1.999, em que afirma que a Igreja Católica e outras religiões “pregam doutrinas demoníacas”.
Crivella é apenas Crivella no seu papel de candidato, inclusive, quando se desculpa por afirmações que revelam o que se passa no seu interior. Quer votos para ganhar a eleição.
Lamentável é o papel dos que se prestam a coadjuvantes desse tipo de espetáculo, na busca desesperada, não de quinze, mas de dois ou três minutos de fama.
Visibilidade na mídia é importante quando a causa é boa. Atrair para si holofotes apenas pela compulsão de visibilidade, tem outro nome, que também não diremos.
Ao voluntarioso e midiático frei, cabe apenas um lembrete: reúna-se com quem quiser – até com o diabo, se achar que do encontro pode tirar proveito; encontre-se com o candidato da sua preferência e empreste-lhe o apoio que bem entender. É direito seu.
Porém, abstenha-se de falar em nome da “comunidade negra”, termo a que reduz a imensa maioria da população brasileira, que é preta e parda. A expressão, por si só, demonstra o tamanho do seus equívocos e o quanto de ilusionismo e desorientação propaga essa sua liderança errática.
Fale por si e pelos seus seguidores. Não por nós.