A FESTA DA PADROEIRA: NOSSA SENHORA DAS CANDÉIAS. (1)
Chegando mais gente, gente. A gente de Palmares se atrasara, a chuva. “Como tem chovido”, diziam tantos. Ao longe – cantorias, tambores…
Pela estrada muitos negros: “incorrigíveis andam a estrada inteira dançando; dançando no areal, na lama; andando, dançando e cantando, batendo palmas; quem já se viu.?.. E vão chegando. Tambores rufando; de todos os tamanhos, exagero; pintados, coloridos; tudo pintado – roupas, saias, vestidos; até as crianças, sainhas coloridas, pintadinhas, dançando..”
Padres, comerciantes, nobres – comentando, gesticulando, impotentes diante do poderio de Palmares. “Nem Nassau, nem a Espanha, nem Portugal. E vejam como andam – batendo mão com mão e dizem que é palmas….. Por que tanta alegria,” – comentavam…
– Que coisa – “índio bate “palmas” com os pés – tubum, tubum…. negros com as mãos – um alarido isto sim,” – diziam os mais agastados.
A Praça já está cheia, enfeitada. O poder da Santa como que a desafiar o poder de Porto Calvo. As praças entupidas de gente, um burburim. Uns queriam ver o uniforme do Gal. Zumbi: ” Uniforme bordado com ouro. Muito ouro. A faixa do peito, toda de ouro; nos ombros, os penduricalhos de ouro. O Gal. não usava chapéu, ao contrário do Rei Ganga Zumba”, comentavam – “é, mas você já viu que negro não usa chapéu”, explicava alguém melhor observador.
A festa de Na. Sra. das Candeias era o palco, o momento, que melhor refletia o estado de espírito do povo de Porto Calvo, de Recife, de Olinda, de Salvador: O medo era duplo – medo da vitória dos negros era igual ao medo da derrota de Palmares. Eles, “os negros de Palmares, tem sido a ameaça e o freio à gula de Portugal, da Europa. Zumbi era a um só tempo – o Gal. Zumbi e o Chiquinho do Padre. Boas lembranças e medo conviviam em tantos. “Falam que é muito poderoso”, suscitavam ….
Tanta gente indo a praça para ver o General Zumbi, para outros apenas o Chiquinho do Padre….. “Largou tudo, pra ir pra guerra”…… Mas não tinha jeito – o Mundo dividido, tri-partido – brancos dum lado, negros de outro, na ribanceira índios. Índios ali, como animal de ceva – Ora matam, oram os deixam viver; matança no mato, corpos jogados……
– E o bem dito, vozes ecoam, “e como canta bonito”, a Santa gosta – do seu Bem-Dito:
-“ Bem dito louvado seeeejaaaaaaaaaaaaaaaaa
A luz que nos alumeeeeeeeiaaaaa;
– Valei-me oh! Nossa Senhoraaaa;
Ôh, Mãe de Deus das Candeias…..”. E a repetição das vozes por fora..
As vozes que estão dentro da igreja saem, rumo a praça, benzer o povo – “ Valeeeei-me….”
As vozes da praça entram na igreja, benzer os que estão dentro……. “ Ôh mãeeeee…”
“Aqueles são apenas negros, não são escravos, nem”forros”, nem nada. Somente negros. Ali, tudo misturado. O governador ali perto, sem falar nada. Negros – enfeitados, brilhando, brilhantes, malacacheta pregada no corpo, na testa, nas roupas. Malacacheta de tudo em que é cor. Um arco ires, brilhando, encandeando a todos. As menininhas brilhando, as sainhas cheias de malacacheta, fios de ouro; que nada, até os machinhos, roupinhas pintadas, uns até com fio de ouro. diziam… E as roupas tudo pintadas, estampas bonitas, cores vivas, brilhando – malacachetas pregadas…. “Há comentários sobre o ouro”. O ouro que irá destruir Palmares.
Na chegada, entra na igreja, tanto brilho no corpo, na testa, nas roupas, até a Santa se encandeou. E olha Na. Sra. Das Candeias, Santa de safadeza” – comentavam…
“Ah não fosse Palmares, ai de nós”.. Fintas…!!! Fintas. Pra tudo fintas…..
Na Praça, cantam, fazem roda, cantiga de roda, jogada de versos – “Dona Mariana” = Lava, lava, lavadeira; lava a roupa de tua sinhá….; uma trôcha de roupa assim…… (ou: o momento sonhado)
* (1)Texto extraído, com modificações, de ZUMBI NA RODA, um ABC para Jorge Amado. (teatro) do mesmo autor.
André Pessego